Miriam Tendler dedicou 30 anos para descobrir a vacina contra esquistossomose, mais conhecida como barriga d’água. A doença é muito comum no Brasil, que tem regiões com falta de saneamento básico. A barriga d’água chega a ser a segunda maior epidemia no mundo. Com a pesquisa, Miriam também descobriu que a mesma vacina poderia atuar contra a fascíola, uma doença que atinge o gado bovino. Vamos então, conhecer um pouco da vida cheia de descobertas e desafios da pesquisadora.
Paula Bellis: Você descobriu a vacina para schistossoma mansoni, o verme causador da esquistossomose. Quanto tempo de pesquisa foi dedicado a essa descoberta?
Miriam Tendler: Na verdade toda a minha carreira e vida profissionalforam dedicadas ao tema. Mas a fase molecular da pesquisa com a descoberta molecular da molécula (proteína Sm14) foi em 1990-91.
Paula Bellis: Qual a maior dificuldade que você teve durante o processo de pesquisa?
Miriam Tendler: Dificuldades operacionais com a burocracia no nosso país, isto é o pior! Ganhar credibilidade lá fora foi mais fácil. No início dos anos 90, era difícil também ter acesso a Biologia Molecular no Brasil, e garantir a mesma competitividade dos grupos estrangeiros. Para isto fui para os EUA por um período e depois fiz uma colaboração com a Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Paula Bellis: É possível fabricar a vacina em larga escala?
Miriam Tendler: Sim, totalmente possível, a partir do que conseguimos em 2007 até agora.
Paula Bellis: Durante a pesquisa, você também encontrou a cura para a fascíola, uma doença que atinge o gado bovino. Como isso aconteceu?
Miriam Tendler: A fascíola e o esquitossoma são helmintos (vermes) muito próximos. Uma das características deste grupo é o compartilhamento de componentes de moléculas. O Sm14é uma das proteínas compartilhadas e prioritárias destes parasitas. Demos alguma sorte. Saímos na frente, evidenciamos e patenteamos (a Fiocruz).
Paula Bellis: Você foi a primeira brasileira a descobrir uma vacina. O que mudou na sua vida depois desse acontecimento?
Miriam Tendler: O importante não é uma questão de gênero. Não é se eu sou a primeira brasileira a desenmvolver uma vacina, mas sim que esta é a primeira vacina brasileira contra doenças endêmicas e de grande magnitude. Com relação a minha posição pessoal, amudança maior é ter a tranqüilidade de administrara a pressão, inveja e outros sentimentos e comportamentos estúpidos...No mais, é um grande desafio.
Paula Bellis: Como foi ser pesquisadora e mãe ao mesmo tempo?
Miriam Tendler: Tenho três filhos e tive gêmeos, então realmente não é uma coisa fácil. Quando eu engravidei do meu filho mais velho, eu estava fazendo mestrado, tive que interromper para acabar um pouco mais tarde. Depois os gêmeos nasceram prematuros. Então essa época foi bastante difícil, pois eu estava fazendo doutorado. E houve fatos que marcaram, quando os gêmeos tinham 6 meses, o meu filho mais velho tinha 3 anos, eu tive que terminar um trabalho de campo na Ilha Grande e ficar lá por um mês. Eu tinha uma estrutura em casa, a família ajudava, tinha babá, mas esse tipo de coisa é difícil. Acabei fazendo tudo ao mesmo tempo. Ser mãe, ter uma carreira bem sucedida é um privilégio, não posso me queixar de nada. Tenho muito respeito acima de tudo pelas mulheres que têm muito menos condições, ou nenhum tipo de privilégio que eu tive, e trabalharam e criaram seus filhos. Essas são heroínas. Quem tem todo conforto que eu tive, tem mais é que produzir mesmo.
Paula Bellis: A vida de pesquisadora é solitária ou você trabalha com uma equipe?
Miriam Tendler: A carreira científica sempre foi revestida de muito mistério. Nada é assim, as coisas são cada vez mais metódicas. A atividade não é solitária, pelo contrário, ninguém faz nada sozinho. As equipes são grandes. Cada um no laboratório é importante. Na Fiocruz agente trabalhou muito tempo na parte experimental, feita com animais. Nesta fase, os bioteristas, pessoas que cuidam dos animais, são muito preciosos. E com a globalização, agente está em contato com o mundo. Trabalho com pessoas nos EUA e na Europa diretamente. Amanhã, eu vou para Bulgária. É uma colaboração com vários países. São duas vacinas, uma humana e outra veterinária, então há uma rede de colaboradores.
Paula Bellis: Como você aplica toda a sua experiência de cientista, mulher e cidadã para o bem da sociedade?
Miriam Tendler: A informação é o bem mais precioso, quem detém o conhecimento tem um grande poder. Eu tive a oportunidade de me aprofundar numa área do conhecimento relacionada a doenças infecciosas, com vacinas, ligada a área preventiva da medicina. E eu acho que a minha obrigação como cidadã e profissional é transmitir esse conhecimento. A sociedade paga a conta e ela tem que receber de volta, o bem mais precioso, não é nem o produto final da pesquisa, não é nem a vacina, mas é a informação. E isso é a minha maior obrigação, minha e de quem é especializado numa área.